Um ano depois de mostrar a tragédia humanitária que afligiu a etnia, os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero voltaram à Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
Na última quinta-feira (11), eles acompanharam uma ação de fiscais do Ibama para fechar um acampamento de garimpo ilegal - o mesmo acampamento que já havia sido queimado na operação de janeiro de 2023.
Neste acampamento, os fiscais encontraram combustíveis, mantimentos, instrumentos de geolocalização, celulares e muita bebida alcoólica - o que é crime, uma vez que álcool é proibido por lei dentro do território.
O agente do Ibama Hugo Loss informa que havia também "cigarro, pó e pedra". "Ou seja, cocaína e crack sendo comercializado aqui dentro", afirma.
Garimpeiros mais ousados e violentos
Desde a operação que deflagrou a crise humanitária em janeiro do ano passado, houve pelo menos dez episódios nos quais fiscais foram atacados a tiros por garimpeiros. Em um dos conflitos, um criminoso morto foi identificado como foragido da polícia e líder de facção criminosa.
"Hoje, o perfil do garimpeiro que ingressa no território é um perfil mais ousado, audacioso e mais violento, ligado eventualmente a grupos criminosos armados", afirma Alisson Marugal, procurador da República MPF-RR.
Em um ano, o Ibama já destruiu pelo menos 35 aviões e helicópteros usados pelos criminosos. Nesse período, a área desmatada pelo garimpo caiu 85%.
Uma pista de pouso chamou atenção das forças de segurança. Nela, estavam nove aviões do garimpo. A pista fica na Venezuela, a apenas 5 quilômetros da fronteira e fora do alcance das forças brasileiras de repressão.
A Polícia Federal já tem mais de 400 investigações abertas só do garimpo na Terra Yanomami. E já foram bloqueados pela Justiça R$ 600 milhões e bens de investigados.
"É o dinheiro que se precisa eliminar para reprimir o crime através da asfixia de sua estrutura criminosa. Sem dinheiro não tem garimpo, sem dinheiro não tem helicóptero, não tem balsa, não tem bombas, não tem mangueiras, não se pagam os garimpeiros", afirma o superintendente da PF.
Um ano depois da ação federal
Em janeiro do ano passado, o presidente Lula decretou emergência na Terra Yanomami, quando foram registrados centenas de casos de desnutrição extrema provocados pela fome e pelas doenças levadas pelo garimpo.
O plano emergencial imposto pelo Governo Federal durava só seis meses. E a situação na Terra Indígena voltou a piorar a níveis semelhantes aos de 2022: naquele ano, 345 indígenas morreram no território; de janeiro a novembro do ano passado, foram 308 mortes - mais da metade, de crianças de até 4 anos de idade.
Na terça-feira (9), Lula convocou uma reunião ministerial e anunciou que a estratégia agora será diferente. Em vez de operação emergencial, as forças de segurança vão se instalar e ficar na Terra Indígena.
Uma casa de governo será criada em Boa Vista, capital de Roraima, para administrar o orçamento de R$ 1,2 bilhão.
"Nós estamos fazendo a desintrução dos garimpeiros. Só que nós temos que fazer a intrusão do Estado brasileiro, que precisa entrar aqui", disse Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos.
"Nós conseguimos, com o esforço muito grande, reduzir a abertura de novos desmatamentos para o garimpo em 85%, mas isso ainda não é suficiente", afirmou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente. "O que é suficiente é estancar completamente a atividade garimpeira, porque além da malária, você tem a contaminação com mercúrio, você tem a violência que impede as pessoas de ter a sua segurança alimentar tradicional".
Crise humanitária segue
Uma comitiva de ministros foi ao território e viu as imensas cicatrizes deixadas pela extração de ouro e cassiterita (metal usado em aparelhos eletrônicos)
Os ministros foram até o posto de Auaris, uma ponta do Brasil cercada pela Venezuela. É a região com o maior número de mortos no ano passado: 55óbitos.
A maioria dos paciente internados tem malária - Auaris teve quase um terço de todos os casos no território. Ainda agora há crianças se recuperando de desnutrição grave - é o caso de Iza, de 13 anos, que está internada há dois meses e pesa apenas 10 quilos.
Nessas aldeias, muitos jovens foram aliciados pelo garimpo. Ficaram para trás as crianças, os velhos e as mulheres - quase ninguém para trabalhar nas roças. E os que ficaram nem sempre têm saúde para trabalhar
"A malária tá aumentando ainda, então a gente está sofrendo. Tem não tem condição de trabalhar para fazer roça, aí nós também ficamos com sofrimento de fome", relata o líder indígena Geraldo Sanumá.
A maior parte dos atendimentos é do povo Sanumá, um subgrupo Yanomami. E foi numa aldeia Sanumá, na semana passada, que cinco crianças em estado extremamente grave de desnutrição foram removidas para um hospital em Boa Vista. Um menino de 4 anos morreu.
"Nós pegamos um território com cerca de 200 comunidades indígenas com vazio assistencial. E à medida que áreas foram sendo desintrusadas, nós conseguimos ir ampliando a nossa capacidade assistencial", afirma Weibe Tapeba, secretário de saúde indígena.
"Aqui o garimpo aqui dentro, destrói não só o meio ambiente, a saúde, mas também a própria identidade de um povo. Para sarar o povo, precisamos primeiro sarar a terra", afirma Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas. "E a destruição que está aqui deixada pelo garimpo é gigantesca. Quando você sobrevoa, você vê ali os buracos imensos, você vê, né, ali aquelas crateras que, quanto tempo mais, vai levar para se restabelecer esse ambiente, né?"
Fonte: g1